Esse artigo foi produzido por um aluno, e não necessariamente reflete as opiniões da Dialética Educação.
Promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil, surge como o marco de rompimento com o Regime Militar instalado no país em 1964, substituindo a Constituição outorgada pelos militares em 1967.
Instalada em fevereiro de 1987, a Assembleia Nacional Constituinte, presidida por Ulysses Guimarães, foi formada por representantes do povo e tinha um grande desafio: instituir o estado democrático, externando os anseios sociais de um povo marcado pelo protagonismo do Estado e promover a recuperação de uma nação combalida pela alta da inflação e por uma grave crise econômica que parecia não ter fim.
Uma década marcada por sucessivos planos econômicos fracassados, insegurança e aflição social, onde a inflação ultrapassou a casa dos 400% ao ano.
Era preciso dar uma resposta urgente e eficaz ao povo brasileiro que clamava por liberdade e amparo estatal.
Logo no preâmbulo, a Lei Maior brasileira deixa claro os objetivos a serem alcançados:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
A participação de diversos grupos populares foi crucial para a elaboração da Constituição de 1988 voltada para a inclusão e
ascendência das minorias que foram esquecidas por longos anos.
Certo que ela foi, e ainda é, o ápice do processo de redemocratização do Brasil após o período do regime militar.
A Constituição de 1988 veio para garantir o funcionamento harmônico e independente dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, não permitindo a interferência de um sobre o outro.. Não é à toa que a Carta Magna é conhecida como a “Constituição Cidadã”, a mais democrática da história, onde os autores do texto trataram de romper com a hegemonia estatal, deixando expresso que o cidadão passa a ser o protagonista e o centro de toda estrutura política, econômica e social.
Tendo como base outras Constituições democráticas e pró-cidadão, nossa Lei Máxima procurou resguardar todos os direitos e garantias fundamentais, além de promover conquistas sociais para uma nação sufocada por um regime em que prevalecia o autoritarismo estatal.
Portanto, indiscutivelmente, na iminência de completar seus 35 anos, a Constituição Federal de 1988 vem norteando os rumos do Estado e das Instituições brasileiras no que tange às garantias individuais, dignidade da pessoa humana, inclusão e respeito às minorias, redução das desigualdades sociais e repúdio às diversas formas de autoritarismo estatal.
Outro legado da Carta Magna: o fim da censura nas rádios, emissoras de televisão, jornais e demais meios de comunicação.
E neste arcabouço voltado para o cidadão, o direito à liberdade de expressão vem consagrado nos artigos 5º, IV e 220 da Constituição da República Federativa do Brasil como direito fundamental inerente à própria dignidade da pessoa humana.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(…)
. IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;(…)
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
Deflui que no Estado Democrático de Direito todo poder emana do povo e não há como exercer legitimamente a cidadania restringindo o direito do cidadão de expressar aquilo que pensa, suas opiniões e concepções politico-ideológicas. Qualquer tentativa de restrição à liberdade de expressão deve ser rechaçada e tratada como arbítrio, autoritarismo, atentado contra o próprio Estado Democrático de Direito e violação ao princípio da dignidade da pessoa humana expresso na Carta Maior da nação.
Sobre o direito inalienável à liberdade de expressão, sugerindo a leitura do inteiro teor, traz-se à baila trecho do brilhante voto do Eminente Ministro do STF, Alexandre de Moraes, exarado na ADPF 548 do Distrito Federal, in verbis:
“(…) O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688-89, 1959).
Ressalte-se que mesmo as declarações errôneas estão sob a guarda dessa garantia constitucional.
A Corte Europeia de Direitos Humanos afirma, em diversos julgados, que a liberdade de expressão:
“constitui um dos pilares essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 10º, ela vale não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe «sociedade democrática». Esta liberdade, tal como se encontra consagrada no artigo 10º da Convenção, está submetida a excepções, as quais importa interpretar restritivamente, devendo a necessidade de qualquer restrição estar estabelecida de modo convincente. A condição de «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal determinar se a ingerência litigiosa corresponde a «uma necessidade social imperiosa” (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009).
A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.(…)”
Dessarte, tratando-se de direito fundamental, a liberdade de expressão não pode ser abolida, diante da vedação expressamente contida no art. 60, § 4º, IV da Constituição Federal de 1988, in verbis:
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(…)
IV – os direitos e garantias individuais.”
O grande desafio do exercício do direito à liberdade de expressão seria o seu uso indevido com a disseminação de informações falsas, nocivas à sociedade. Contudo, o nosso atual ordenamento jurídico, com pequenos ajustes pontuais, é capaz, por si só, de dar uma resposta eficaz para os excessos e desvios cometidos por aqueles que agem de má-fé, na tentativa de criarem um caos social difundindo informações falsas pelos meios de comunicação e, principalmente, pelas redes sociais.
Entende-se que não seria salutar, em tempos sombrios de polarização político-ideológica, a regulamentação, por exemplo, das redes sociais, sob o pretexto de combater a disseminação de notícias falsas.
Por fim, cabe ressaltar que para todo o ilícito há uma norma que incide e pune o agente, seja na esfera administrativa, cível ou penal, porque nem todo direito é absoluto, pois ele termina no exato limite que começa o direito do próximo, devendo haver, em todas as situações, respeito, responsabilidade e comprometimento com a paz e harmonia social.
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Emerson de Oliveira Marins, Advogado Criminalista, Graduado pela Universidade Federal Fluminense, Pós-Graduado em Processo Penal, Direito Penal e Direitos Humanos.