Esse artigo foi produzido por uma aluna, e não necessariamente reflete as opiniões da Dialética Educação.
O avanço nos meios de informação e a ampliação das novas tecnologias passaram a refletir diretamente no processo de globalização econômica e cultural, facilitando o acesso à informação e a agilidade para mudar, atualizar e se comunicar. Essas mudanças no globo afetaram diretamente a esfera dos Direitos Humanos, colocando à prova a igualdade de acesso a esses novos meios de comunicação e expondo a sociedade aos crimes digitais e informações falsas.
As novas tecnologias colocam em xeque até mesmo o significado de Direitos Humanos, a ideia de que o mesmo é para todos, universal. Afinal, os direitos humanos possuem uma composição histórica. Isso significa que se alteram de acordo com cada momento da civilização. Portanto, com o avanço das tecnologias, é cada vez mais relevante a criação de novas demandas, como por exemplo, a necessidade de acesso à internet de qualidade para todos. Porém, nem todos possuem esta realidade, dificultando a obtenção da informação, educação e cultura.
Com o avanço constante do meio digital, torna-se urgente a criação de leis para a proteção cada vez maior dos direitos fundamentais, já que propaga discursos e informações do “mundo real”. Os direitos também estão no mundo virtual.
Outro instituto afetado é a liberdade de expressão, que com a massificação do uso das novas tecnologias, o bloqueio indevido e o controle exagerado ou ilegal de informações falsas, tem sido confundida com o direito de se falar o que bem entender mesmo que não seja verdade, porém entrandoem conflito com o direito à informação, que, por si só, se caracteriza pela busca da verdade.
Porém, a problemática que vem sendo encontrada é a seguinte: como privatizar e limitar a tecnologia, se a tecnologia está diretamente ligada ao direito à educação, à informação, cultura, ou seja, sua limitação enseja uma supressão de direitos fundamentais e por conseguinte uma violação aos Direitos Humanos.
Esta problemática não exclui a necessidade da criação de novas leis e direitos. A inclusão de novos direitos no rol dos direitos fundamentais é possível, no ordenamento brasileiro, por meio da análise do artigo 5°, parágrafo 2°, da Constituição Federal de 1988. Ele estabelece uma abertura à abrangência de novos direitos fundamentais “decorrentes do regime e dos princípios por ela [a Constituição] adotados”.
A regulação do conteúdo nos meios digitais pode ocorrer de diversas formas. É certo que, em primeira análise, o controle antecipado de conteúdo, leia-se censura prévia, é vedado pela Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso IX. Inclusive é por conta deste artigo que não é permitido aos provedores controlar os conteúdos de seus usuários.
Porém, há sempre a possibilidade de um controle legítimo e a posteriori da informação, em função, por exemplo, da publicação de discursos com conteúdo ofensivo ou criminoso. Importante enfatizar que se um conteúdo é postado com informações falsas, deixa de ser informação e passa a ser fake news, assim como, conteúdos criminosos devem ser monitorados pois ao contrário do que se pensa a internet não é “Terra de ninguém”. Com isso, o livre discurso é a regra e não a exceção.
Tal circunstância da omissão normativa ainda é agravada pela falta de uma harmonização internacional acerca do tratamento da questão das novas tecnologias. Se a Internet é transnacional, se as empresas de prestação de serviços neste meio também o são, a incongruência das leis internas sobre a matéria pode fazer com que alguém em um país seja afetado pelas disposições legais de outro. Além do mais, as diferenças culturais entre os países também influenciam a questão do bloqueio de conteúdos na Internet.
A Organização das Nações Unidas (ONU) traz resoluções que regulam a proteção dos direitos fundamentais e humanos no ambiente digital. A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1945 traz em seu artigo 19º que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”. A liberdade de expressão é fundamental para que seja permitida a livre manifestação do pensamento e a livre comunicação na Internet. É por meio desses institutos e de políticas públicas de incentivo e conscientização que é possível aumentar a efetividade do direito de acesso às novas tecnologias e também da liberdade de expressão na Internet.
Com as novas tecnologias, os custos de comunicação ficam diminuídos. Qualquer usuário da Internet é um emissor e também receptor de dados, informações e opiniões. Daí a importância das políticas públicas de apoio ao acesso à Internet bem como da garantia da liberdade de expressão na rede. Isto se justifica, entre outros motivos, pela ligação entre a liberdade de expressão e o direito de acesso à Internet. De acordo com a Diretiva 2002/22 do Parlamento Europeu, o acesso à internet deve ser entendido como um serviço universal, pois se um estado ou organização limitam o acesso à Internet, também gera reflexos na própria liberdade de expressão e comunicação.
No Brasil, um marco importante em relação aos Direitos Humanos e as Novas Tecnologias foi o Marco Civil da Internet, lei n° 12.965 de 2014, que em seu artigo 1° diz que “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil” , como por exemplo, garante a liberdade de expressão, o princípio da proteção da privacidade e dos dados pessoais, presentes no Artigo 3° da referida lei.
Portanto o presente artigo aborda a dualidade das novas tecnologias: de um lado os benefícios do acesso à informações, as facilidades de acesso à serviços, comunicação entre as pessoas de qualquer lugar do mundo, a liberdade de expressão, entre outras, e de outro lado a dificuldade enfrentada pelos Direitos Humanos pelo desrespeito às leis e direitos fundamentais no âmbito virtual, a descontrolada disseminação de fake news disfarçada de liberdade de expressão e a facilitação para a realização de crimes, exclusão digital, exposição de dados pessoais, entre outros, todos cometidos pela falsa ideia de que a internet é “terra de ninguém”, um ambiente sem legislação.
Neste contexto, o Direito é chamado para que os danos causados pelo uso das novas tecnologias, em especial a internet, sejam mitigados. Espera-se que novas normas e teorias jurídicas consigam regulamentar o ciberespaço. No entanto, a realidade é outra: o Direito, da forma como está estruturado hoje, não consegue acompanhar o ritmo acelerado das novas tecnologias, a todo momento surgem novas demandas e discussões pela facilidade de propagação e em contrapartida, a elaboração das leis e as discussões demoram muito.
Mais do que isso: por se tratarem de Direitos Humanos de terceira geração, estes direitos ultrapassam os limites territoriais dos Estados, requerendo uma cooperação internacional para que sejam tutelados. O Direito interno, como se apresenta hoje, não tem força para controlar ou até mesmo impor normas como se necessita. É necessária a construção de outro sistema, mais potente e construído de forma coletiva. Como foi possível observar em epígrafe, a Constituição Brasileira permite a entrada de leis internacionais, o que também serviria para prevenir quando um estrangeiro cometesse crimes virtuais aqui no Brasil, já que o território na internet se tornaria unificado e portanto a jurisdição seria única.
A construção de um sistema de cooperação internacional, por outro lado, também possui desafios a serem superados para ser efetiva. Como questões culturais, por exemplo, o que não é crime no Brasil, pode ser em outro país e vice versa.
No livro A Terceira Geração de Direitos Humanos de 2006, escrito por Pérez-Luño faz um importante apontamento: “Uma sociedade livre e democrática deverá mostrar-se sempre sensível e aberta à aparição de novas necessidades, que fundamentam novos direitos. […] Mas, Direitos Humanos não são meros postulados de dever ser”.
Desta forma, além de reconhecer direitos, é necessário garantir meios para que eles sejam exercidos e protegidos, por meio de leis e políticas públicas. Portanto, uma vez que as leis não são suficientes para as demandas trazidas pelas novas tecnologias, é necessário que se crie novas leis de cooperação internacional. O papel do Estado Interno é de extrema importância, porém o Direito a Internet ultrapassou as fronteiras territoriais, facilitando a comunicação e interação com o mundo todo, motivo pelo qual os sistemas atuais não são suficientes e novas alternativas precisam ser propostas e aplicadas.
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Stella Peres de Oliveira, sou advogada, especialista em Direitos Humanos e novas tecnologias, estou Vice-presidente de Makerting Jurídico da 31ª subseção da OAB RJ e membro da comissão de Direitos Humanos.